segunda-feira, 16 de março de 2009

Barquinho de papel

Pedro não aguentava mais olhar pela janela o pranto do céu. "Deus devia estar muito triste com seus filhos, pois faz dois meses que os olhos divinos não estancavam". Água benta seria isso?", intrigava-se o menino. A televisão só passava os desastres do chororô. Não sabia quem era o culpado pela torrente celestial. Pedro vivia na cidade grande, com todo o conforto de uma família de classe média alta.

Todo dia a cena se repetia. Chuva. Chuva. Chuva. "Será que Deus quer fazer mais um rio por aqui? Quantas gotas são necessárias, mamãe?". A mãe ria das invencionices do garoto. Respondia laconicamente, o necessário. A insatisfação era clara nos seus olhos claros. Ele queria tanto brincar na rua. Mudava de canal a cada dez segundos. Chorava de birra e se zangava com o tal Deus, que todos diziam ser bondoso. Neste período era reclamação intérmina. "Eu quero, eu quero, eu quero, brincar", uivava o petiz.

Muitos morreram no curso impetuoso daquela água, afogados, destelhados, friorentos. Assim seguia o outro curso d'água, o curso da vida.

Pedro esquecia de tudo e só pensava que outras crianças, em outras plagas, seriam mais felizes que ele.

Na cidade de Joaíma Pedro continuava chorando, pois queria sair para brincar. Não aguentava mais ficar deitado na sua cama dura. Todo dia era a mesma coisa. "Outros meninos devem estar mais felizes do que eu", refletia o menino. E assim continuou a reclamar durante os dois meses que sucederam na mesma situação. Pedro sonhava... "Um dia há-de, quando o sol cansar de ferretear a pele e deixar aparecer sombra, chover. Quando chegar esse tempo de chuveiro vou poder, finalmente, soltar meu barquinho de papel", pretendia Pedro querendo chorar mais para encher bacia. Sua mãe logo servia água de palma, amarga e branca. "Vai deitar meu filho, pois a insolação já matou seu irmão, não quero outro indo pra terra dos pés juntos", dizia de olhos úmidos, única forma de se ver água naquela região.

E assim cada Pedro seguia sua vida, sempre reclamando.

2 comentários:

  1. Ótimo texto...gostei da linha que vc traçou entre esses dois Pedros.
    Por aqui, o jornal já avisou "É rezar pra não chover"...rs...é meu amigo, é preciso ter um equilibrio, pois quando é demais (sol ou chuva)a gente reclama! rs

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