segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Poema de Ano Novo

Aquele gajo passou estúpido para alguns, deixou laivos no rosto e na terra, fumou muito a ignorância pública, bebeu toda a inépcia política – tinha ele certo garbo para ocupar algum mandato e desocupar mandados, enriqueceu a custa da sua efígie em capas de revistas de escândalo, tinha maus modos, arrotando um PIB pífio, pedindo esmola aos que dele necessitavam mais, fartava-se, após os trocados recolhidos ilicitamente, de má literatura, compêndios escritos por laranjas, mas andava sempre vermelho de raiva por não ter participado de licitações que podiam melhorar seus ternos que eram feitos de malha fina. Foi casado várias vezes com as melhores marcas e tinha filhos indianos que trabalhavam de forma escrava. Tinha crises nervosas com a bolsa (família) delas, principalmente com Nasdaq, mas mantinha o caradurismo ao tratar o peculato como receita de bolo. Com o tempo, guardava a ditadura no velho copo com água quente para não cariar os dentes desviados da merenda escolar. No entanto, para outros foi um dos melhores amantes, grilando terrenos alheios, desterrando desocupados, contribuindo com a reciclagem através de PETições ministeriais inúteis e a inclusão social de parentes. Porém também trouxe, por assim dizer, alegrias passageiras aos que souberam bem aproveitá-lo, pois, claro, ele não é de fácil conquista se não houver dispêndio do erário. Este gajo quase caducou em meados de dezembro, (e olha que adorava ser lembrado, ser uma fotografia no alto da parede) mas resolveu renunciar para numa próxima eleição, quem sabe, ser mais que memória, ser eleito, isso eu soube pelas notícias do calendário.

Já eu, eu aguardo a mais nova rapariga do bairro. Ela tem o frescor dos anos e a vivacidade das manhãs de verão, corpo quente, o ventre pronto para me receber e os seios prósperos, tem o andar sedutor, vai palmilhando o chão de presságios, como se nos colocasse úmidos sonhos. Usa luvas para tocar a vida dos que ao seu lado passam. E é impossível não notar suas curvas, ondulações marítimas, que parecessem até inundar nossos pensamentos com todo sal da lascívia. Ela carrega sempre algo nos bolsos da saia, bem sei que é algo que tilinta e cintila, torço para ser a doçura de um pássaro ou o primeiro sorriso de felicidade do sol. Ela doura nosso futuro, não nos traz, por ora, nenhuma recordação, mas a íntima sensação de desejo. Ela rejuvenesce a cal do passado que nos embranquece os pelos, nos põe infindos objetivos, nos incita de conjeturas. Quantos não a desejam... Para tê-la deve-se marcar hora, pois ela tem data marcada e inúmeros compromissos. Ela nos deixa em espera. Eu aguardo o seu amanhã com júbilos abraços e borbulhantes dizeres, afinal de contas o amanhã é o único dia que sondamos esperançosos. Já que Deus nos concede tempo e deste tempo é forçoso darmos conta; então aguardamos mesmo sabendo que esperar é um perde-se tempo, e esperá-la é sem-tempo, sabendo que cada qual pode, quando encontrá-la, usá-la como passatempo, e disso deve-se ter cuidado, para não chorar depois o perdido tempo.

Eis que chega o dia e ela aparece, irrompe, armada de novidades, sem ciúmes ou pretensões, queria que eu a conduzisse, sabia que eu podia mudar de um empresário de sucesso a um cafetão de drive-in, que eu decidia como a queria e ela me moldaria nos meus atos, sexuais ou laborais, ou vice versa, terminando como poeta que versa aos vagabundos, ébrio de sonhos, viciado na droga de vida que levei. Esta rapariga é a solução ou o tormento de um homem, mas ela sempre nos diz: “monta tua vida que eu te construo por dentro”, ela é o enigma que tantos almejam desvendar, querem rasgar lhe a roupa do destino, molestá-la com tantos augúrios, mal sabendo que facilmente a temos com o percurso dos nossos passos, em que abismo denominamos a boca e que ações – se de voo, se de arma, se de inação – pincelamos a mão. Porque tanto a queremos? Pelo seu mistério, ou melhor, por nós mesmos. E ela vem... eu a ovaciono, fazemos um brinde com o olhar, trocamos fogos nada artificiais, ela me encara, me encorpa com seu ar etéreo, e nela vejo como o tempo voa,
E é bem mais que minha alma.

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