sexta-feira, 27 de março de 2015

A NOITE É UMA BRASA AINDA ACESA NA LUA


a noite é uma brasa ainda acesa na lua.
queimam-me os dedos no rastro da angústia,
pois tenho um copo vazio estendido no ventre.
foram algumas cervejas e algumas rezas
para sanar a minha ressaca minada
pelos dedos acesos duma flecha absoluta.
o corpo tolhido no espelho é um enorme
silêncio onde o alfabeto se rememora.
algo arde na boca com o mesmo gosto
de ontem, com a mesma palavra
descascada no núcleo de barbatanas
que desejam irromper a arenosa
paixão, o fumo da manhã destelhada.
ardem no mundo o caos, a inconformada
vida do tempo e de nomes; o brutal de mim.
enfiava a mão pelo bolso escuro e esplêndido
na busca dos dedos devastadores, da cadeira
manca que pende sobre meus desejos.
a menstruação está quente nas madressilvas,
colorando a sombra sentada no cais.
há lua minguando na carne extasiada,
agora, creio, escadas descem para absolver
a caneta dissolvida na água materna.
a noite furibunda toca trompete por ruas
abaixo do mar, abaixo das hipocresias.
alguém, porventura, diz que não é hora
de visitas e o poema deixa de entregar
suas drosófilas, já que o nariz sangra
e o olho brilha no fundo do túnel.
li que antes de escurecer um sonho é 
importante amanhecer nas latrinas, onde
existe comércio e perícia, e não posso
ter usura por meus poemas sem fôlego.
olhe as cinzas, olhe meu cansaço na luz
antiga no qual inseguramente há ferocidade.
um poder destrói o poema, a noite, a crisálida,
enquanto a cerveja desce junto com a fumaça?!
Abre-se a ideia para pedir, entre falas e blablablas,
a conta que nenhum sorriso quis pagar?!
a minha solidão é uma estrela alta.
o cigarro é uma boca que não beijarei
na noite suicida. o coração resiste como
invento da espada para não se silenciar
em sopro, em fungo, na música noctívaga,
nos ombros dementes e na imobilidade da
auréola.
quando a madruga impera na manhã
de cevada puríssima, que esquenta a memória,
se pretende dizer algo, se desvanecer de
fatos, distâncias em terra firme polinizadas.
é manhã? é bárbaro fulgor? é a nossa vida?
nada mais que noite, linho, cuspes, coices.
o amor é terrífico. o amor é ave em vidro.
o amor é uma giesta devorada por fiado.
coubesse no fim da noite fusos mortos
e uma rapariga no sangue e uma bicha
como brisa na garganta, como fruto
desperdiçado. na casa da noite em que vivo
o gato invade o quarto e arranca do lençol
as palavras carnívoras da boca imediata,
as vozes cobertas no ofício de serem
impertubáveis e inatingíveis, as vozes
transparentes que fazem da noite uma
musa infundida como rosa no cinzeiro.
(VFM)

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