terça-feira, 3 de março de 2015

PERDOE


Perdoe minha aspereza trincando
Os meus lábios secos, já que as
Palavras não saem mais com ternuras
E a saliva é um pequeno acidente.
Perdoe os meus olhos suados
Pelos dedos roídos e sujos de sombras.
Estou a compreender que resta
Um pouco de alguém ainda neles.
Perdoe minha face entre o trágico,
O belo e o essencial. São marcas por
Questões de muito sol sem esperanças,
Chuva aos pedaços, e eu sou todo outono.
Perdoe esse meu nariz adunco ou
Possivelmente chato. Creio ser ele
Pouco importante, pois nem tudo
Na vida são de ternas flores.
Perdoe minhas orelhas geladas
Por furacões. Há uma criança esquecida
Nelas a esperar uma palavra do futuro,
Mas só escuto as pedras a repetir-se em silêncio.
Perdoe meus braços apocalípticos nos ecos.
Eles não dizem gestos e enlaçam abismos.
São como duas correntes prendendo os
Nossos naufrágios em tantos desertos.
Perdoe minhas mãos que não foram feitas
Para tua pele, o poema, os anéis enluarados.
Elas não tocam o teu infinito, somente
Te prendem em um mundo de cárceres.
Perdoe o meu peito fuzilado em muros de gritos.
Resiste dentro dele algo apodrecido
Enfeitando o meu sangue mecânico na sua
Derradeira eternidade. Ele é anoitecido.
Perdoe o meu sexo que desperta
Na tua ausência por acreditar em coisas
Que não sou capaz e mal sei gozar o mundo.
Meu tempo está murcho e os sonhos impotentes.
Perdoe minhas pernas cansadas de
Procurar o Paraíso ou alguma saída para
O nosso amor. Elas não se aguentam e ficam
Sustentando os meus sentimentos ridículos.
Perdoe os meus pés alimentando os caminhos
E correndo atrás de algum ritual que lhe faça voltar.
Talvez você volte ou fuja. Talvez tudo isso.
Talvez eu ande pisando no teu vulto de nada.
Perdoe-me. No entanto, se lhe bastar todo
Esse meu corpo assustado e magoado de espelhos,
Essa minha alma talhada em punhais,
Possamos, juntos, amar de outra maneira.
(VFM)

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