sexta-feira, 20 de novembro de 2015

AINDA


ainda, sim, há luz
na boca que voltamos
para queimar a língua,
naquele último trago
do silêncio.
ainda, sim, há luz
para buscar palavras,
recusadas em cinzas,
e que dão gosto
de dizê-las sem sal.
ainda, sim, há luz
nas tuas mãos abertas
para construir a caligrafia
e o caminho mais curto
para o nada.
ainda, sim, há luz
num pedaço de vidro
ou no punhal duma sombra
em que os relógios dizem
as horas claras.
ainda, sim, há luz
determinando o destino,
em nó de profecias,
para sobrar em tua casa
manhãs gigantes.
ainda, sim, há luz
nos segredos fingidos
e no céu que escrevo
sobre árvores choradas
incendiando o varal.
ainda, sim, há luz
na geografia das paredes,
onde, lançado em loucura,
possamos beijar a solidão
dos amantes.
ainda, sim, há luz
para atestar o desassossego
e estender pelas ruas
a saliva que arde no
improviso da cegueira.
ainda, sim, há luz
para acender todo
o esquecimento,
e dizer que foi a última
lembrança.
ainda, sim, há luz
no silêncio que queima
a boca, naquele
último trago, que
(talvez) voltamos.
(VFM)

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