terça-feira, 18 de outubro de 2016

A PRIMEIRA VEZ QUE ENCONTREI O AMOR


Posso contar como foi esse momento inefável desde o início, apesar de achar que não é dessas histórias mais cativantes e comoventes. Convenhamos, o amor só comove dentro das ordens clericais e farsescas dos livros perdidos nos alfarrábios.
Conhecemo-nos através desses aplicativos: o bar. Em meio ao trançar de gente, bebidas entornadas pela sede dalma e dos corações desérticos e apreensivos. Trocamos alguns sorrisos de tabloides, ao mesmo tempo que os olhos convulsos se faziam constantemente de esguelha para furtar entre si novos olhares de interesse. Amigos em comum fizeram às honras, possibilitando aquela palra trivial etílica. Consegui às duras penas de Sísifo do telefone para marcar assim que possível o grande encontro. Esperei por alguns dias e realizei o primeiro contato, sendo direto que gostaria de vê-la à sós. Recebi um afável "sim", entre risinhos de graça e frágil timidez.
No dia do compromisso inarredável, vesti a melhor camisa, daquelas feitas por escravos egípcios durante as épocas de Quéops, Quefren e Miquerino. Espargi sobre meu corpo imberbe um dos melhores aromas, mijo de lhama de Aguas Calientes, calcei sapatos do couro dos minotauros com peúgas felpudas e coloridas. A braga dos gauleses cobriu minhas pernas raquíticas e lá me fui para a grande Ilíada do meu tempo.
Ao desbravar às ruas dos cronistas de outrora, com o a respiração acelerada ao ritmo da Walquiria de Wagner, suando como um tuareg em seus périplos, coberto por um céu azul límpido com nove listras de nuvens sobre o céu, como a bandeira grega em sua representatividade de nove sílabas expressando "Liberdade ou morte", caminhava como ao encontro da minha Dulcineia. Em júbilo, entusiasmo e ansiedade acreditava que o amor de Príamo e Tisbe inspiraria essa união. No entanto, eis que dos ares uma possível ave agoureira de Edgar Allan Poe me arremessa dos seus fundos os dejetos da sua sanha, escárnio e desprezo, marcando a fogo fétido minha indumentária escolhida a dedo para o amor. Foi como a facada de Brutus, que veio abrupta, assassina, traidora destruir o encanto daquele dia. Imprequei à abóboda celeste os inúmeros palavrões dos bordeis nos quais eu aprendi.
Tombei como Heitor diante da fúria de Aquiles. O que faria? Como me apresentar diante dessa cena horrenda e trágica de um filme de Hitchcock? Estava tudo acabado. Após um tempo inerte e absorto foi que entendi o sentido do fato. O amor é uma grande merda. Assim, saí assobiando um falso minarete até aquele cadafalso para descobrir que nosso encontro foi uma grande cagada.

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