quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Quando gritei por Luciana ela já não me ouvia mais, tinha corrido com sua mágoa para outra terra úmida. Luciana era a única palavra que me saía dos pulmões ressecados pelo cigarro e pelo pigarro do arrependimento. Pressentia que ao vê-la partir a enfermidade voltaria e meu plano de saúde negaria o atendimento. Luciana era meu tormento, minha loucura, meu fôlego e gume. Algo foi fendido, feito porta batida abrupta ao som do coração na sua disritmia. Balbuciava após tanto vociferar o nome sacro em vão. Eu pecava frente ao meu ateísmo tolo. O terapeuta já tinha me dito que sofrer não é verbo e sim nome próprio. Apropriei-me disso. Luciana, Luciana... assim terminaria minha fala, meu livro, minha mensagem de suicídio por um aplicativo?
Agora, Luciana me assombra, justo quando mamãe está morta e outro fantasma puxa meus sonhos ao rés do chão. Desse cancro, dessa ferida, desse cântico, desse amor, ainda guardo nossa fotografia emblemática, sorrisos perdidos nos areais, diante da praia em que colhi conchas para ouvir o mar me dizer: Luciana, Luciana, Luciana, em ondas, em um rumorejar. Sobressaltei-me, pois tenho medo de nadar.
Escrevo tanto porque me lembrei que hoje, justamente hoje, é seu aniversário e você apagou de mim a chama da esperança. Esperança era como te chamava carinhosamente. Luciana! Não sei o motivo de não ter outro nome no mundo e na língua para escrever. Os poetas gostam tanto de Rosa, Laura, Beatriz, Glaura, Lolita, Marília, Dulcineia e por aí versos vão. No entanto, a boca alucinada diz: Luciana. Embriago-me diariamente para esquecer de ti, mas esqueço de não te pronunciar novamente. Estou a fim de apagar tudo isso diante dessa culpa que carrego pelos poros e dessa vontade inextinguível de dizer à filha que não tive, no parto da nossa relação, no grito incontido de que te amo, ao teu choro misturado ao meu, que o amor incinera qualquer caixão, Luciana.
(VFM)

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