quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

PARÊNTESIS




Abro parêntesis para escrever uma história assim como quem abre a porta de casa, deixa a frase entrar e vê que alguém possivelmente lhe espera. Dentro, a força do silêncio é um episódio do infortúnio adornando a mesa de jantar. Abro parêntesis para me despir. Abro os olhos e vejo o infeliz anúncio no rosto que outrora me amou. Pasmo. De boca aberta, voz trêmula, engulo as respostas, mas não pergunto se há resquícios em sua memória para que fique. Não quero alardear a sombra que parte os objetos e fecunda a geografia dos cômodos. Abro parêntesis e abro os braços na expectativa de poder contar com mais um abraço, o qual estabelecemos como nossa chegada e não de despedida. Nenhum sorriso se abre e não posso ver seu canino sobressalente que marcava meu pescoço cômico. Vejo que está ao lado do nosso retrato no ângulo exato de antiga felicidade. Queria roubar essa imagem e jogá-la na sala. Fica tudo intacto. Em vão empilho as palavras como a louça suja, assumindo minha irresponsabilidade temporária. Abro parêntesis na espera que caibam, mesmo que encolhidas, nossas falas de “para sempre” numa cortês piedade. Abro parêntesis. Esse quase círculo talvez seja um possível reparo ao meu ser desolado. Desenho com a caneta minhas habituais dúvidas, enchendo o papel de porquês. A esta hora você deve estar abrindo um vinho e sangrando no copo uma terrível mágoa. Qual porção dele me habita? A noite se apura. O que você conversa com a mão, o vento, o copo, a desatinada língua? Quando estiver tudo vazio, igual estou, valeria uma sobremesa do passado? Revezaríamos a dor? Abro parêntesis bem como a geladeira anedótica, imaginando suas últimas sílabas frias. O semáforo se abre indicando que podia passar e se salvar de mim em um mergulho perdido nessa metrópole. Abre-se uma ferida de grande gravidade, e eu ainda não sei o desfecho. Gostaria de me abrir a algo novo, mas como se tudo o que vivi contigo foi novidade? Até quando sustentarei esse parêntesis escancarado, ostentando meu peito nu ao desespero? Não me abro ao sexo, encosto-me nas paredes frias para acalmar meu desejo assassino e mexo no cesto de roupas sujas, pois nele deve restar uma toalha mofada a qual guarda algum pelo do seu púbis. Isso bastaria? A tristeza já não se esconde no meu rosto magro de lavrador e falso poeta. O relógio se rebela, deitando seus ponteiros na minha hibernação inútil. O tempo se alimenta. Abro parêntesis e o chuveiro. A água que cai me abandona também pelo ralo por mais que me demore. Ninguém há de entender o cinzeiro cheio de cinzas de constrangimento, meus dedos amarelados, inclementes e sem indiscrição, empregando sua ausência. Ficam as coisas largadas. O mato a crescer impunemente no jardim da carne viva. A esperança só a expiar. O sono segue sem sossego. Eu que nunca pensei novamente em orar, ensaio um consoo ao desamparo. Todo fim carrega sua imortalidade. Abro parêntesis numa solenidade irreal. Quisera eu não ser assim. Os dias avançam sob um sol esquartejado e luas cansadas, prolongando meu sofrimento febril. As lágrimas abrem trilhas insólitas sobre meu corpo e sigo colecionando-as. Convoco os amigos para ouvir as mesmas frases langorosas. “O amor é um prêmio herdado das loucuras.” Vou preenchendo dentro do parêntesis o árduo trabalho dos sonhos livres de um condenado. Queria me animar pelos adeuses e entender que pode ser um nobre gesto. Mas quem se anima ao estar sentenciado? Somos escravos do convívio, da carência e ingenuamente dizemos que não, que queremos a solidão. Batalho agora com o silêncio como um fantasma da madrugada. Abro parêntesis para guardar momentos e histórias. O passado subterrâneo sempre brota nas emoções. Abro parêntesis para registrar o destino que se bifurca nas caminhadas. Ocupamos espaços na tentativa de imobilizar o coração desguarnecido. Desacreditamos expondo nossos medos. Quem sabe nesse embalo outro amor virá? Escuto minha impotência e, no pulmão já sem fôlego, não diz o seu nome, fica preso nas barbas dos anciões. O muito paciente se desperdiça. A embriaguez não me diz fatos novos. A vida é um sonâmbulo que se esgota. A cabeça se debruça na atmosfera turbulenta do travesseiro, incentivando-me a criar outros problemas por cima da camisa. Abro parêntesis para inventar um novo mundo. Era nossos lugares toda a cidade. Vou compartilhar o pão e a música só para ouvir um continue e me martirizar no amanhã. Fecho parêntesis já que também é sua função a companhia inesgotável. Sei que não a verei mais. Fecho a porta e janelas no intuito de distinguir a solidão arranhando o assoalho criminoso. O silêncio vai amanhecer, enquanto a inquietude se relata. O tempo vai proferir seu nome ainda, a saliva embebe salubre as circunstâncias. Cá estou eu perdido no meu juízo, tentando me preparar para o deserto tenebroso que passa e fica. Fecho parêntesis (já disse isso). Deixo debaixo das páginas a saudade para alguma voz abrir, como holofote, um outro espelho em que possamos nos reconhecer e novamente se apaixonar. Fecho parêntesis.

(VFM)

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

2017


Eu já passei de ano algumas vezes. Confesso que tive dificuldades e as notas não passaram de muito MiMiMi. Lá longe deixei meus pensamentos e aqui agora levo pequenos sonhos. Quando pedem para ver meu histórico muitos se assustam com a corda bamba e meus atos aventureiros e minhas derrotas e meus desamores.
Com ar professoral alguns me disseram dos erros e possíveis potenciais. Eu escutava pensando nos diminutos planetas sem tanta vida. Mamãe orava e batia, batia e batia na máquina de me fazer correto. Sempre achei que também os tapas pudessem ser aplausos. Chorava prometendo que ano que vem a vida erraria muito menos comigo e que a opção certa que faria do que queria é somente um nó para o fôlego demasiado que tenho de sobreviver mais um ano.