quarta-feira, 19 de julho de 2017

UMA QUASE ENTREVISTA COM MICHEL T.


"Pode me chamar de presidente", disse Michel. "Ou de ex-presidente", disse o ex-presidente. "Ocupo este cargo desde 2016 por meio de uma manobra, um pneu furado, uma pedalada pelo Jaburu até a casa do Cunha junto com outros amigos comprados. Fui eleito na barra da saia, visto que, na verdade, deve me chamar de presidente", disse o presidente. "No entanto, considerando o momento atual talvez seja preferível, inclusive diante de tantos fatos (nos quais duvido) e para marcar a história política do Brasil, que o senhor me chame de ex-presidente", disse então o ex-presidente. "Porque, afirmo-lhe com convicção, que um presidente é senão alguém que faz as coisas em favor do empresariado? Mas e quando não trabalha para o capital? Quando não compra deputados e senadores e juízes ele converte-se num ex-presidente? Pois então, já que consegui ainda me manter no cargo e exercer a função de golpista, sendo apanágio de cercear os direitos do trabalhador, mesmo a maioria do povo não querendo e maldizendo, em certo sentido eu continuo presidente. Portanto, prefiro que o senhor me chame de presidente", disse o ex-presidente.
(VFM)

Os pássaros rondam
Os altos edifícios 
Para despojarem
Do chão
O clímax suicida.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

MÃO BOBA


Eu quebrei um dedo e me tornei
Presidente das outras unhas roídas.
32 dentes me elegeram para dar de mão 
Beijada todos os anéis de saturno.
Governei amansando o pão
Que o diabo pisou.
Foram meses em que levei tudo,
E com muitas notas,
Para entrar na história
Pianinho.

HAIKAI


Frio, frio, frio,
Passarinho agasalha
Vento no pio.

AFLORISMO


Meia hora da sua atenção acaba com meu frio.

(VFM)

AOS PÉS DOS HOMENS


aos pés dos homens
o lixo espesso da breve dor.
aos pés dos homens
o desprezo úmido dos dias.
aos pés dos homens
o sol de poeira selvagem que
aos pés dos homens
é um piquenique de sombras.

EXTRUSÃO


Eu, expulso do que me é eterno,
Ciente que tudo me abandona,
Eu, morto, exangue, na morta cona, 
Subsisto em carne no inferno.
Cheguei a esta minha vida cruel
Passageiro do câncer e do pranto,
Vômito acre dentro de um antro,
Abençoado por nascer e ser réu.
Não desespero por nada afinal
Se eu tombei alma em pia batismal
No ventre espúrio, todo roto.
Vendido corpo-podre na usura
Masturbei-me na boca mais impura
Minha sombra de cuspe e esgoto.

(VFM)

CORPO A CORPO


derruba teu corpo amargo
aonde o meu se perde.
o caminho é cinzento
e o orvalho um campo largo.
agarra-me dos pés à cabeça,
antes que a memória
fique muda
e nossa sombra desapareça.

OSSO


A minha treva, meu esqueleto
São de poesia e de cianureto.
E os meus falsos olhos
Dois poços de petróleo.
A máscara que me encobre,
Fantasia pútrida de cobre,
Prenhe de ódio e a míngua
É um uivo de flor na língua.
Tudo que sei: o cio que ouço,
é escória presa no calabouço.
A minha sombra é amarga
E a solidão é a minha carga
A roer de saudade meu osso.
(VFM)

LÁ VAI A REFORMA


Foi no apagar das luzes
Que o trabalhador perdeu.
Senadores com capuzes
Dizendo: " Bem feito, se fodeu".
Temer do seu gabinete,
Presidente fictício,
Queimava com a CLT
Acusações e indícios.
"Hora da comemoração!
Já dei fim na Lava-Jato.
Aberta a exploração!
Pobres! Lambam meu sapato!"
"O povo é patético.
Eu mando soltar doleiro
E me faço de ético.
Adeus décimo terceiro!"
"Chega de manifestação",
Pensava o interino.
"Já cumpri a minha missão,
Roubar é meu destino ".
"Não reclame mais, trabalhe!
Marcela agora quer paz.
Não quer que pobre se espalhe,
Falando mal do Satanás".
Passa a reforma passa.
Trabalhista de começo.
No lombo do povo assa
O tronco do retrocesso.
"Ah, chega de privilégio.
A merda os seus direitos.
Comunista é sacrilégio
No chicote eu endireito".
"Só em 2018
Para me pegar no flagra.
Está na hora do coito.
Toma Brasil! Haja viagra!".
(VFM)

Poeminha (in)justamente para o trabalhador


A causa mais justa
O patrão te conta:
O chicote se ajusta
De ponta a ponta.
Cada "ai", sim, custa
Ao nosso erário
E a gente desconta
No seu saldo bancário.
Viva a reforma!
Canta ordinário
E se conforma.
(VFM)

DESPOVOAR


Vamos despovoar os livros
Já que as palavras
Dão pulmões aos manifestos.
Vamos despovoar as despedidas
Já que as esperas são iguais
Nas terríveis ausências.
Vamos despovoar os homens
E deixar livre o coração terrível
Gritando os nomes do esquecimento.
Vamos despovoar os ridículos.
Deixemos vagar as lembranças
Com seu oxigênio fecundo.
Vamos despovoar a força da tristeza.
Desenvolta é a doçura dos beijos
Impressos na adrenalina.
Vamos despovoar os corruptos
E colocar uma nova geografia
Da vida que nos invade.
(VFM)

OS MARINHEIROS


Viajam os marinheiros
Sol adentro, sofrendo,
Ao mar tumultuado
Pelas flores do vento.
Nuvens serpenteiam
Arando o azul dos ares.
Nos braços - estrelas -
Em noites singulares.
O barco, lá vai, soçobra.
Longe o silêncio afronta
Os peixes pelo caminho
Dos marinheiros à sombra.
Sem tempo de regresso,
No comércio, os corpos,
São sonhos sem preço,
Onde navegam mortos.
(VFM)