quarta-feira, 28 de março de 2018

PEQUENA HISTÓRIA DA CRIAÇÃO



(P/ Millôr)

Bum! E Deus fez Adão.
Um grande preguiçoso
Vivendo de pensão.

Triste vagabundo,
Quis uma ter companhia
Pra esse mundo.

Por uma bagatela
Vendeu uma árvore
E uma costela.

Nascia Eva.
Mulher pra abalar,
Mas maleva.

Já de saco cheio
De Adão, Deus perguntou?
- Gostas? - Odeio!

Foi dar cabo
Da situação chata
E viu o diabo.

Em 1 minuto,
Vendeu a Eva o coração
Como um fruto.

Deus a avisou.
Eva falou: - Foda-se!
E comemorou.

Foi uma mordida.
Queria ela tá banguela
do que essa vida.

Saiu sem nada.
Nasceu a sociedade
Deseperada.

Ah! Pobre de Eva.
O que agora ganha
Não paga a cerva.

Adão, poeta,
Vende suas poesias
Aos proxenetas.

Caim e Abel:
Um virou traficante,
O outro, no céu.

Maldita maçã!
Agora faz sucesso
No Instagram.

Bendito fruto!
Adão e Eva vivem
Sem um puto.

quinta-feira, 22 de março de 2018

EM TODA MINHA ROUPA

Ao Dia Mundial da Poesia! ❤



Predominava
Em toda minha roupa
Seu corpo todo
Em sílabas e folhas.
O vento inesperado
Sacudia as
Palavras e
Amarrotava as
Madrugadas
Dos relógios.

Eu me perdia
Por dentro
Só para você ficar.

O seu cheiro de terra
Tornava tudo
Muito cotidiano.
A tarde de chuva
Entrava em
Toda a roupa,
Organizando
Minha solidão.

Suado num recanto
De memórias,
Encardido com
Os pequenos lugares,
Predominava
Em toda minha roupa
Um resto de casa,
Uma marca de abraço,
A rua atropelada,
O teu corpo todo.

Por nada a roupa
Tirava, mas rasgava-me
Com a mesma pedra
Faca argumentos
E dor.

Sei que a roupa
Não me servia.
Andava apertado
Pelos muros da vergonha.
No entanto,
A idade pregada na
Roupa me chamava
De amor.

Predominava
Em toda minha roupa
O poema inconcluso
Do aroma suficiente
Da sua última lágrima.

E eu usava sempre
A mesma roupa
Só para usar seu
Corpo todo.

terça-feira, 20 de março de 2018

HAIKAI



Cão sem dono
Desenterra do tempo
O outono.

HAICAI GRAMATICAL



Eu vou à praça.
A crase se senta,
A tarde passa.

SONETO SAUDOSO


P/ Deise Alves e Joelma Alves Eleutério

Saudade... vermos mamãe rezando
Quando o pranto nos trazia o frio.
Saudade...! Mesmo tendo um vazio,
Seu amor vamos multiplicando.

Sua vida na Terra não foi à toa.
Ao lembrarmos de ti, de repente,
Vimos que você foi um presente,
Temos agora uma saudade boa.

Ao bater os sinos das igrejas
Sei que nosso rosto tu beijas,
E assim a gente não esquece:
Ouvimos de longe a sua prece.

A saudade então vai cantando...
Seu amor vamos multiplicando.

QUADRA SATÍRICA DE ANIVERSÁRIO


P/ Walter Ianni

Amigo, deixa de parolice!
Não reclame. O tempo avança.
Se lhe crescem ciência e pança
Aceite a sua vasta velhice.

HAIKAI



Em toda a rua
Armanezar passagens
A procura sua.

quinta-feira, 15 de março de 2018

VI O SORRISO DA MULHER NEGRA ASSASSINADO


vi o sorriso da mulher negra assassinado.
vi seu rosto negro com marcas da história.
vi o sangue negro levantar sua bandeira
& se afundar & escorrer nas ondas do mar,
pintando a areia branca com sua cor.
vi a rua abatida. vi o carro esburacado.
vi o corpo ofendido, perturbado & morto.
estamos fodidos. estamos cobertos de sangue.
está tudo passado em papel em branco.
a sentença está na cor da pele,
na colorida dor de África. vidas negras importam?
8 ou 9 tiros. pouco importa. os inimigos
tiram vidas, tiram o sono das pobre mães.
querem alvejar os negros. querem cobrir
o negro. a alegria negra. a voz negra.
querem sambar com a injustiça,
dar votos para a comissão de frente
da ditadura, querem cantar o feminicídio,
querem os inimigos aprisionar em
silêncio o grito da revolta.
cria da maré, da rocinha, pavão & pavãozinho,
da quebrada, da favela, querem
cantar as mágoas de março
nos bares chiques do leblon,
querem matar os jovens negros
nos sinais de trânsito & ainda assim
transitar livres pela baía de guanabara.
querem comprar a carne negra nas calçadas,
ricos, brancos, brancos, brancos,
riem das dores do morro,
das causas de março, das negras do mundo.
o homem e o mesmo Rio seguem iguais.
"precisamos gritar para que todos saibam
o está acontecendo em acari nesse momento."
o que está acontecendo com nosso país?
a cidadania está morta. o negro alvo da morte.
os sonhos & planos enchem as praias
de lágrimas. uma mulher negra passa
vendendo suas lágrimas. é sacolé,
é biscoito, mas no fundo o que o inimigo
quer é o mate. mate. mate. mate.
a família negra treme em seu pequeno barraco.
é chuva, é vento, é frio, é o tiro, o murro,
que sacode a casa, que fratura os ossos
& desperta a criança negra do seu sono de fome.
o inimigo quer entrar. você sabe do que ele é capaz.
o negro sabe do mundo. o pobre sabe da dor.
a favela não sabe seu nome, muitas vezes
visitada por balas e turistas.
o coração do negro pulsa, o do inimigo bate,
espanca, assassina, cala o surdo chamado.
o inimigo persegue incansavelmente,
golpeando os direitos, golpeando a mulher negra
mesmo essa liquidada no beco de suas tristezas.
está na hora de perseguirmos os inimigos,
apesar de sua potência de fogo, sua proteção
da gravata, do seu colete de toga.
o inimigo não quer desaparecer.
a mulher negra está na luta para não
desaparecer. ela suporta a dor de anos,
escrava dos homens, escrava do tempo.
não fique quieta, não fiquemos quietos.
a raça negra, negra como a noite
não deve se esconder atrás das
estrelas, do branco carregado de vaidade.
mulher, mulher, mulher.
vi seu sorriso assassinado.
vi suas mãos de luta alimentar seus filhos.
vi seu coração largado
no céu escuro. pobre negra, negra pobre.
querem colocar no ar mais uma série
da barbárie. querem fazer uma minissérie
das suas angústias para o inimigo
ganhar mais propaganda & ibope.
querem dar um emprego para lavar o branco.
vão assim, mulheres negras, morrendo
aos poucos & outras vão morrendo mais.
a morte está vestida de branco.
mulher negra, o terreiro te canta.
iansã, ewá, nanã, oxalá!
há guerras dentro da mulher negra,
ao redor da mulher negra,
e morre a mulher negra.
mais um nome sangra na história branca.
não podemos deixar em brancas nuvens.
os inimigos têm de pagar.
luto e luta fazem o seu corpo.
vocês são presentes. vocês estão presentes.
não se deixem calar.
vi o sorriso da mulher negra assassinado.
é um recado violento. é uma ameaça. é um genocídio.
é mais uma arma na cabeça de todos nós.

quarta-feira, 14 de março de 2018

POEMA AO UNIVERSO



Para Stephen Hawking

Eu olho a harmonia das estrelas
E faço versos ao infinito.
Só se ganha sua luz, acredito,
Quem sonha dia a dia merecê-las.

Eu olho a harmonia das estrelas
E vejo quão imperfeitas elas são.
Se podemos ouvir as estrelas
Escutai o universo do coração.

segunda-feira, 12 de março de 2018

UM PORRE COM BUKOWSKI



(Pelos 24 anos de morte do velho safado)

Nunca chamei de PORRE
A sensação de despertar,
Após uma noite de loucura,
Como se tivesse sido
Atropelado pela Variante
Do pai da sua ex-mulher.
Eu sempre chamei isso de Amor.
Amor que nos seca a boca
Feito um antidepressivo
Que engolimos quando
Achamos que estamos
Atolados em merda.
Amor que nos explode o crânio
Na dúvida de uma cefaleia,
Uma bala de revólver ou
Uma ambulante traição.
Amor que nos faz passar
Horas prostrado na cama
Ou nas preces do banheiro,
Balbuciando um nome,
Regurgitando a lua mestiça.
Amor que nos tira do lugar
Aos pontapés igual ao
Segurança do prostíbulo.
Amor tem esses frenesis
E distúrbios de um fogaréu
Vivo de tesão e perfume.
Por isso, tenho persistência
(Talvez um pouco de sorte)
E aceito, ancorado no balcão
De um boteco miserável,
Qualquer sorriso melancólico
Que anime meu coração
A pagar por um sentimentalismo
Barato. E possa acordar,
Apesar do sol inimigo, ciente
De que o amor é tudo um porre
E que vale a pena o amor,
Já que ele é a soma de
Todos os meus erros.

(VFM)

HAIKAI



Calma. Muita calma.
Onde dentro da gente
Nos cabe a alma?

Bashô até o chão



No velho tanque
A rã pererecava
Ao som do funk.

sexta-feira, 9 de março de 2018

O CORAÇÃO PERDIDO DO NATAN


(Das conversas inspiradoras com Walter Ianni e Nz Braga)

Meu coração me dê a mão. Vem por aqui longe dessas ilusões. Escuta-me. Escuta a dor desamparada dos trópicos. O caminho que escolhe são de anos e danos de tortura. Siga-me por esse corredor vazio de tempos mortos. A viagem vai ser longa. Não queira se despedir. As partidas são imperfeitas.

Meu coração, venha por aqui, aonde podemos nos render em outros fascínios. Meu coração me dê a mão. Agarre-me com vigor. Não importa aonde o amor tenha começado o seu rastro exato, venha, vamos seguir a aventura de nos perdermos em outro sofrimento.

quinta-feira, 8 de março de 2018

MADALENA


a mulher menstruou dois filhos,
hoje, antes do café da manhã.
no lençol ardia aquele velho
poema que ela teve que lavar
para não ser julgada durante
a temporada de caça às bruxas.
o marido tinha deixado uma
rosa de sangue em seu rosto
dizendo para que ela lembrasse
o fim do verão no dia de hoje.
algumas lágrimas cruzaram
o chão aonde os seus pés
caminhavam para não voltar.
o quarto do bebê cheirava
a arroz queimado e os brinquedos
da sua infância ainda tinham
as marcas da sua tristeza.
a mulher fechava a porta de casa
e trancava-se por dentro,
com o mal estar das palavras
rasgadas ontem ao anoitecer.
o porta-retrato da mãe
jazia ao lado do criado mudo
e muda ela estava diante
daquele sorriso maternal de
incômodo desespero.
era mais um dia para arrumar
a mochila dos filhos,
esta carregada de cadernos
em branco e com páginas de luto.
tudo parecia se repetir.
o tapa que dava para matar
a mosca seca era uma forma
de se libertar das inquietações
frutíferas que apodreciam
no ventre vazio, nos olhos vazios.
ela limpou no forro da mesa
suas tristes cantigas de ninar.
sentia-se suja e citava deus
sem ao menos acreditar.
estava ela presa como eurídice
ao inferno do seu cotidiano.
na tv um homem sorria ao discutir
sobre o mercado de trabalho,
gabava-se de gerir uma fábrica
de mulheres. em outro canal
havia denúncias contra ela ou
sobre milhões e milhões dela.
a mulher laborava um arrependimento.
a casa, seu útero machucado,
era invadida por fantasmas.
não havia distância entre a porta,
a dor, a mala, a raiva, o homem.
mas ela não conseguia prosseguir.
prendia-se ao espelho maquiando
o silêncio ininterrupto do rádio
consumido pelas formigas.
varria os hematomas jogando
para debaixo do tapete novos sonhos.
a louça equilibrava-se sobre as costas
da mulher do próximo. pensava.
penava: "olhai por nós, pecadores".
o coração envelhecido acotovelava-se
entre as frágeis costelas, tal qual
um animal amuado de incertezas.
havia uma dor verdadeira em seus
lábios trancados, nas mãos nodosas
esquecidas no fundo da geladeira.
ouvia da rua diversas mães
gritando pelos seus bebês.
e todo aquele sangue. todo aquele
sangue dentro do filme tedioso
que passava pela sua cabeça.
hoje a mulher tinha um funeral
para ir e por isso cozinhou
os ovos no suor do umbigo.
ela queria ter um sorriso inventariado,
mas a herança era uma aldeazinha
desbotada numa máquina de lavar.
a mulher queria construir um
novo universo, alugar um lugar
na história, com a certeza de dizer
que não aceitaria mais as injustiças.
pediria ajuda aos netos do futuro.
ela era melhor, bem melhor,
do que aquele macho mal-acabado.
nos seios corajosos e adoçados
de leite poderia extrair a sua força.
o vento de praia ia empurrando
aos cantos da casa os descuidos
dos filhos e sua solidão feito
um imenso bombardeio.
o sol que entrava tímido
pelas frestas da sua blusa
esquentava o medo e secava
a ferida deselegante.
ela queria deixar agora só entrar
pelo corpo as carícias da liberdade.
desejava fumar seu cigarro
em paz e bater as cinzas
no vaso das violetas,
antes de ser novamente fuzilada.
daria fim ao marido de noite.
a foto despojada do casamento,
nas cascas da parede,
dava o engulho das grávidas
e mostrava a gravidade nua dos curativos.
Isso haveria de mudar.
os cincos reais miúdos sobre a mesa
era o vestuário cafona do machismo.
Madalena resolveu desacordar
os homens com seu grito de guerra.
sairia da acomodada e agressiva
vida. ia cuspir pelos pratos,
ia masturbar pelos cômodos,
ia se vestir de luta e sair descalça
para ser falada pelo mundo e igrejas,
ia fazer um jantar à luz de velas
e temperar com a menstruação
o macarrão que serviria
para saciar toda a família,
com o sangue guerreiro que
continua a crescer e a lhe
fazer uma mulher imortal, livre
e simplesmente irreconhecível. 

HAIKAI


Coisa mais rara:
Ele furtou um livro
E livrou a cara.

MINICONTO TRISTONHO


Noc, noc. Bate a recordação de quão feliz nós erámos. A Tristeza é uma visita que não bate à porta. Entra sorrindo sem saber o que ela significa, com um bolo na mão decorado de repetidas oportunidades. Caminha na sucessão dos fracassos sem peso na consciência. Adentra agradecida pela casa, consolando invencível os cômodos. Senta trajando a imbecilidade dos corações, tem fome de lembranças e a sede irrefreável dos tuaregues. Servimo-lá suportando seu passado, artifício para adivinhar se a mentira é uma pequena felicidade. 
A Tristeza gosta de perguntar se notamos sua mudança, o cabelo novo escarpado, a roupa nova e fria como sempre foi, mas que nunca reparamos. Respondemos com lágrimas nos óculos, cientes que ela nos rouba os talheres ao fim do dia e pede pra levar um tupperware da nossa mansidão. 
A noite perdura sobre o brinco incógnito da lua. Lá está ela: a Tristeza de papo para o ar, bafejando palavras aos jovens que sabem sofrer mais. Para ela, a dor dos velhos são passeios diários. Insone e indomável, conta bem sobre tudo isso. 
Vão saindo os convidados. Destinam-se à porta com a dor voraz que cada um tem. Despedem-se um a um. Erguem uma tragédia de adeus. Porém, a Tristeza fica com todo o tempo que ela traz. Com sua desmesura. Com sua envelhecida negociata. Com o inoportuno. A Tristeza não está fora do jogo. Dá as últimas cartas. Cigarro à deriva, fumegando alguns destroços. Tosse uma sugestão. Soluça bêbada um acidente. Diz que foi sem querer. Nunca quis prejudicar os poetas, mas que eles eram perigosos. Falava por labirintos. Em alto mar. 
Era tarde demais. A Tristeza não partia, mas partia a gente em homeopáticos desfiladeiros. Bocejávamos. Pescávamos uma lástima que só ali a gente via. A Tristeza tinha vida própria. Queríamos deixá-la sozinha. Diríamos que temos sono e que um cansaço soturno já nos rasgava. Não conseguimos demovê-la. Ela insistia em permanecer. Apontava o dedo para o relógio afirmando que para a dor não se tem hora. Não se sentia inconveniente. Convinha acreditar.
A Tristeza era a nossa visita. Lá estava ela. Ali. Percebe? Vê? Sentada como uma armadilha para a infelicidade. Julga-nos com seu olhar impossível de escapar. Não havia remédio para a situação. A Tristeza não era uma ameaça.Ela queria ganhar nossa confiança. Apostávamos em suas palavras dentro da gente. Com o tempo confiamos piamente. Mais difícil era o amor. E amávamos a Tristeza.
Um dia ela desapareceu. Talvez estivesse ido ao banheiro, foi, quem sabe, lavar um copo ou encharcar um rosto inocente. Herdávamos sua postura. A Tristeza voltaria logo. Ela nunca se demora. O relógio o sabe chorando sua espera.
Noc, noc. A Tristeza talvez batesse agora no peito. Por certo, estaríamos prontos para abrir a porta e bater a porta para enfrentar, prenhes de segurança, a vida, totalmente nobres de Tristeza, até a próxima visita. Noc, noc.
(VFM)